quarta-feira, 22 de março de 2017

Companheiro em fuga (2)


Doutrinador: Sabes que estás no plano espiritual?
Espírito: Sei. E venho falar em nome de Jesus.
Doutrinador: E o que é que tens a dizer em nome de Jesus, querido amigo?
Espírito: Tenho a dizer que se tem que praticar o Bem.
Doutrinador: E a Caridade, não é verdade?
Espírito: E a Caridade. E temos que ser todos, todos, todos unidos. E respeitar as leis. E respeitar o chefe.
Doutrinador: Quem é o chefe?
Espírito: Em qualquer emprego tem que se respeitar o chefe e obedecer.
Doutrinador: Obedecer ao chefe... muito bem. Obedecer cegamente?!
Espírito: Obedecer à lei.
Doutrinador: Sim senhor... Quer dizer então que as pessoas não podem discordar do chefe?!
Espírito: Podem discordar, mas depois sofrem as consequências. O melhor é não se envolverem muito.
Doutrinador: Segundo eu posso entender o que tu defendes é a ditadura. A ditadura do chefe, claro está.
Espírito: Não. Não deturpes as minhas palavras.
Doutrinador: O que eu entendi pelas tuas palavras é que se deve sempre obedecer ao chefe...
Espírito: Se existe uma lei temos que a cumprir, é claro.
Doutrinador: E era o que tu fazias enquanto foste funcionário público, não é verdade?
Espírito: Temos que cumprir se quisermos manter esse emprego e se não quisermos conflitos com ninguém!
Doutrinador: Tu foste funcionário público no tempo de Salazar... Sabes que as pessoas que pertenciam à PIDE (polícia política) também eram funcionários públicos e torturavam pessoas. Achas que eles procediam bem?
Espírito: Eu não estou aqui para emitir juízos de valor sobre ninguém. Não devemos julgar ninguém. Quem somos nós para julgar alguém? Não devemos julgar ninguém.
Doutrinador: Isso não é bem assim. Depende da forma como se faz o julgamento. Claro que todos nós temos opinião acerca de alguém. Não se trata de incriminar, de condenar... Trata-se de avaliar. E todos nós temos a nossa capacidade de avaliação. Não somos seres autómatos, não é verdade? Um funcionário público...
Espírito: Tem que obedecer!
Doutrinador:... por ser funcionário público não tem que ser um autómato.
Espírito: Obedece e não se envolve em confusões.
Doutrinador: Obedecer significa para ti ser autómato, sem capacidade de julgar o que está certo e o que está errado.
Espírito: Não: significa cumprir.
Doutrinador: Não se envolver em confusões significa consentir tudo. E consentir o que está mal - e aqui discordamos de ti, querido amigo - é errado. Portanto nós devemos ter a nossa opinião própria para podermos discordar do que está errado.
Espírito: Do que é que serve discordar? Isso discorda-se no café, com os amigos.
Doutrinador: Tu dizes que segues Jesus. Mas se Jesus não discordasse do modo de vida do tempo d’Ele, se não tivesse dado o exemplo do Amor e da Caridade nós não teríamos o património que temos hoje. E Jesus teve que discordar. Jesus discordou dos fariseus e chamou-os, inclusivamente, de hipócritas. Discordou deles porque não estava de acordo com eles. Por isso foi crucificado.
Espírito: Mas nós não somos Jesus.
Doutrinador: Não somos Jesus, mas queremos seguir Jesus. Não seremos hoje crucificados no sentido em que Jesus foi. Mas podemos sê-lo de outra forma. Devemos defender a Justiça. Aliás o Mestre disse ‘Bem aventurados aqueles que padecem por amor à Justiça’. E nós lutamos por aquilo que achamos justo, que está de acordo com as leis de Deus, do Amor e da Caridade. Foi isso o que Jesus fez. No meio daquela turbulência em que Ele vivia o Mestre soube destacar-se das massas e dar o exemplo. Deixou um pequeno grupo de seguidores.
Espírito: São sempre poucos. Falam, falam, falam, mas são sempre poucos.
Doutrinador: Deixa estar, não te preocupes.
Espírito: Esses que arriscam são sempre poucos. Nós temos família.
Doutrinador: Não te preocupes.
Espírito: Nós temos deveres para cumprir.
Doutrinador: Também os discípulos de Jesus tinham família, não é verdade? Nos séculos que se seguiram muitos e muitos discípulos de Jesus tinham família e lá por isso não deixaram de seguir Jesus.
Espírito: Mas nós podemos praticar a Caridade de outra forma: fazendo orações.
Doutrinador: Sim, isso é, digamos uma forma passiva. Mas há formas activas. A Caridade não se resume à oração.
Espírito: A oração resolve tudo.
Doutrinador: Não, a oração não resolve tudo, amigo. Ajuda-nos a resolver.
Espírito: A oração resolve tudo. Resolve tudo.
Doutrinador: A oração ajuda, amigo. Com a oração atraímos os Bons Espíritos que nos dão as boas intuições. Mas somos nós que temos que realizar. Nós temos o nosso livre-arbítrio. Mas não podemos ficar parados. A oração é uma poderosa alavanca.
Espírito: Então, se eu tiver que passar, passo.
Doutrinador: Se tivermos que passar por determinada provação, passamos, isso não há dúvida. Tens razão. Mas deixemos agora isso que poderíamos estar aqui a debater durante horas e vamos lá a ti, em particular.
Espírito: Eu não quero falar de mim. Eu só vim aqui dizer para o aceitarem, para o ouvirem.
Doutrinador: Nós ouvimo-lo, mas isso não quer dizer que estejamos de acordo.
Espírito: Mas isso causa mal-estar.
Doutrinador: O que estás a querer dizer é que nós temos que obedecer a ele e isso, caro amigo...
Espírito: Temos que concordar uns com os outros.

Doutrinador: Não é bem assim. Podemos concordar ou não, depois de um debate. Depois de analisarmos os prós e contras. O que estás a dizer é que temos que obedecer e aí, caro amigo, podemos obedecer ou não, depende da finalidade.

(CONTINUA)

Extraído do livro "Falando com os Espíritos", de Eduardo Guerreiro (ainda não publicado)

Sem comentários:

Enviar um comentário